sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

palavras IV

já foram tantas

de desejo
de espera
hoje são tão delas
que eu nem as percebo

só vem e vão
me esvaziando
e me enchendo de sentido

mas nada é ao acaso
nem nunca poderia
ter sido

Palavras III

Tantas palavras girando ao redor do sol
e eu pareço um astro parado no tempo
ordenhando as letras

Palavras II

As palavras parecem não ter fim
vem entre melodia e ritmo
todo dia
batucando em minha cabeça
e eu...
                danço com elas

Café



A vida assenta naturalmente
Sem necessariamente
Precisar acurar a dor

O tempo morna
Sem correr língua quente
o que desfaz o sabor

O cheiro é o dia
Sem ´precisar de requente
Sente-se de longe
Quanto mais perto se sente

O goto não tão forte nem tão fraco
No caminho do meio
Entre o doce e o amargo

O despertar é o atino
Mas no entanto
Nem tanto nem tão pouco

Pois esse corpo menino que corre
Precisa de descanso
Então, me concede um menorzinho

E não queira nunca encher demais
Esse copo
Que nunca esteve vazio



9 de novembro 2019

domingo, 24 de novembro de 2019

Vapor


Quente
Não quanto antes
Um pouco quieto
Calado
Resignificado
Nem tanto...
Caminho constante
As vezes desviado
Desvairado talvez
Mas entendido
Aceitado
vivido
                                                          
Meados  de setembro

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Tudo em sua normalidade

Eu saio final de tarde de domingo
E tudo tão em paz
As cervejas e pessoas em seus bares
Crianças nas ruas brincando
Senhor, senhora passando
Me dando e retribuindo
Boas tardes
Cores do céu mudando
Outros movimentos acontecendo
Volto noite.
De manhã, pessoas fazendo seleta de lixo
Dando e retribuindo bons dias
Jovens que passam para o trabalho
Crianças que correm para a escola,
Acompanhadas ou não
Todas se comunicam bem
Quando me perco no pensamento
Sou resgatada por um comprimento
Que faz me sentir bem
De morar por aqui

Campo Limpo – Feira de Santana

Meados de setembro 

Palavras I


Eis que as palavras surgem
Rudes
 Fico sem saber o que fazer com elas
Despontam de ponta cabeça
Esvaziam os sentidos
Ou só retroalimentam em dizeres
Aquilo que nos afugenta?
E eu que pensava que
Havia dito tudo que tinha
Pra dizer
Mas o tempo diz mistérios
Diz casualidade também
Que pouco mexe e vira
Mistérios de novo na mente do poeta

Oh, desande!


(meados de setembro)

domingo, 18 de agosto de 2019

Do oco o eco

Um escopo
Que tão sem mira
Ou meta
Acerta

Um corpo
Que nem tão quieto
Ou fugaz
Desperta

Um pouco
Do querer que ata
E desata em mim
Uma fresta

Do outro
Que assim quer
Ou não
Sem pressa

O ato
De ser um copo  não tão cheio
Nem vazio
Mas que transborda o que deserta. 

Sinais de chuva


O aboio do vaqueiro
Vem da chuva que não veio
É lamento sertanejo
Que inunda meu sertão

Vem da prece de Maria
Reza pra seu padroeiro
Mandar água lá do céu
Pra molhar o seu terreiro

Já se passou São José
E nada das trovoadas
Pra plantar milho e feijão
Pra lá pro São João
Fazer grande farreada

Triste canto do cancão
Bem-te-vi  (anun)cia
O culeiro a sofre
O tiziu em canção vê
Cardial que silencia

A caatinga que persiste
No correr da siriema
Quixabeira, xique-xique
Calumbi, juá, jurema

Ipê, imburana de cheiro
Cutia, teiú, tatu
Arueira, mandacaru
Inté jararaca no cajueiro

Cabra, ovelha, gado
Sobrevivendo do bom grado
Da raiz da macambira
Da sepa do sisal
Da palma o corte é sinal
Que aqui tudo se vira

O olhar marejado de Maria
De perto anun branco disperta
Sapo cururu sai a passeio
Ao passo que o formigueiro
sua casa deserta

Mandacaru florido
é graça que apetece
À deus do céu agradece
Pela chuva tão esperada

domingo, 21 de julho de 2019

Forró


No compasso da zabumba
O triângulo latejante
A sanfona se desenvolve
Num ressoar deslumbrante

Quem escuta essa tríade
não consegue ficar parado
Os pezinhos buliçoso
Mexe de traz pra frente
De lado a lado

Já observa o ambiente 
com bastante sutileza
Dois corpos se encontram
E se permitem a estreiteza

Cada coxa se encaixa
A cintura se enlaça
E a outra mão abraça
A mão da outra pessoa

Dá-se início ao bailado
Deslizando os pés no chão
Os corpos se comunicam
Ao que é dito na negociação 
A quentura aumenta
Com o contato e movimento
Ao passo que o suor banha
O coração que acelera os batimentos

É arrasta pé, é xote, é baião
É plena consciência
É estado de presença
É comunhão

A música desenha os corpos
Espaço e tempo desaparecem 
A escuta se manifesta
O transe acontece

E só desperta em um pequeno lapso
Em que o som se silencia 
e os corpos se distanciam

Mas reverbera
No corpo
Na mente
No espírito

Aiai saudade


Saudade é um prato quente
A fome é muita
Mas a espera é necessária
Se não aquilo te mata por dentro

Saudade é um ponto de apoio
Que não é a partida nem a chegada
É o caminho do meio
Dentro de uma encruzilhada

Saudade é um fio sem conta
Que não enfeita
Nem protege
Só enlaça

Saudade é um álbum sem fotografia
É uma imagem que  fica na memória
E se desenvolve no desejo
Do vir a ser

Saudade é um mar silencioso
Sem onda
Sem peixe
Um devaneio só

Saudade me faz lembrar domingo
O cheiro de terra quente
O céu cinza
A chuva por vir

E todo o ritual silencioso
Do gotejamento acompanhado
de escuro e clarão
com muito trovejo

Saudade faz assim num parar do agora
E rouba a memória
De algo que te fez
Tão presente ali

No ouvir
No ver
No sentir
E fazer-se sentido

Saudade é bicho que não se mata
Que se retroalimenta
Metamorfoseia, descansa
E desperta numa próxima ausência

Saudade me faz buscar entender
O tempo, a distância
Os meus quereres
E as infinitas inconstâncias da vida

Eu acabo não entendendo nada
Mas sinto, muita saudade
Que envolve um misto de dor e alegria
Assim como tudo na vida.

quinta-feira, 14 de março de 2019

Aquilo que a gente guarda



É quando a gente se muda
que vira e mexe as coisas
que a gente vê quanto se guarda
e o quanto custa carregá-las

Eu sempre com mainha brigava
ao arrumar suas coisas,
o tanto de coisa
que mainha guardava

Era roupa sem uso,
sapato sem dono,
elástico folozado,
tiras e mais tiras de pano,
contas de mil novecentos e me esqueci,
receitas médicas vencidas,
caixas de remédio pra não se esquecer do nome
santinhos de vereador
papel de pão embolado
e talvez, no meio, alguma arte minha
que nem me lembrava

A briga era para saber o que jogar fora
Porque ai...
“Uma hora precisa”,
“Quem guarda tem”
Do que eu separava,
metade ela guardava
alegando a serventia
Com o tempo e a idade
foi se desapegando,
vendo que não daria conta
de tanta lataria

Eu me pego arrumando a casa,
mais uma mudança
O peso maior do que nunca
e me questiono o que tanto custo a carregar

Fora as plantas, instrumentos e móveis necessários,
O que mais carrego?

As milhões de quinquilharias achadas no lixo
que “uma hora serve” para um vaso de planta,
um artesanato, um sei lá o quê....
“Mas não se deixa uma coisa dessas no lixo”.

Fora, o que nem tanto pesa,
mas é uma memória material,
é um cartaz de uma mostra cinematográfica,
um crachá de evento,
um canhoto de um ingresso de tal artista
que olhando assim bem de perto,
passado os anos, nem sei porque quero e guardo
sem muito uso, me desapego

vejo mainha em mim
e vejo o quanto a gente guarda

E o quanto a gente guarda que não é material?
O quanto tá guardado em memória?
De sentimentos presos, inúteis, que só nos deixam pesados
e dificultam nossas mudanças

Guardamos os medos de quando criança
A raiva dos desejos repreendidos na adolescência
As diversas frustações de adultos
Os tapas da vida
Os rumos incertos
A ânsia da morte

Eu quero arrumar minha casa
e dar utilidade as coisas.
Guardar o que for bom
e me desfazer daquilo que hoje não faz nenhum sentido

Ver que o perdão (não a tolice)
A aceitação (não a passividade)
O desapego (não o abandono)
Tem real sentido na faxina interna

Pra caminharmos mais leves,
Mesmo sabendo que adiante
Trombaremos no caminho com mais coisas
Que talvez ache interessante levar pra casa

Que Talvez faça algum uso
Ou talvez descanse um pouco
E daqui a um tempo
Volte a sua própria circularidade.


quarta-feira, 13 de março de 2019

Verossimilhança ou pura coincidência?



Poesia é abstração
Pode ser de hoje
Pode ser do amanhã
De ontem, pode ser de agora...

Pode ser sentimento meu
Pode ser teu
Do mundo
Ou pode ser de ninguém

Poesia é palavra solta
Que ninguém prende
Nem apreende por completo seu sentido
Nem o próprio contador

Que finge tão completamente
Como diz Pessoa
“Que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente”.

Liquidez


Perto de ti sou água
Me faz lembrar do mar
Das influências da lua
No nosso corpo mar feminino

Sou rio que corre calmo
Que sorri com tua presença
Sou chuva miudinha sem desmantelo
Sou tanque cheio depois de trovoada

Sou poço fundo,
fonte que não seca
Oceano vasto
que inunda areia deserta

Sou água que corre solta
envolta no teu manto sagrado,
que me enlaça, que me abraça,
que me faz querer estar do teu lado

Se derrama em mim sem pressa,
pra que esse líquido que se dispersa
em cachoeiras
possam desaguar.

quinta-feira, 7 de março de 2019

Escritos de quarta-feira de cinzas



O que é o carnaval
 se não essa necessidade carnal
 de viver intensamente o aqui e agora?
É voltar a ser criança, é brincar.

A rua é tomada pelos mascarados,
pela pouca roupa e pouca vergonha de quem é impedido de se despir
e impelido a se vestir numa moral barroca
que sua ausência significa violência contra mulheres, gays e travestis

Encontro de corpos numa sintonia ondulante,
numa cadência que nos faz entender a física quântica
E o que bate, seja lá onde for, é a percussão 
do samba, coco, maracatu, afoxé, funk, frevo ou pagodão

São heranças de nações africanas que pra aqui foram sequestradas
Que resistiram e resinificaram seus tambores,
nas dores e nas alegrias,
na expressão espiritual do corpo carnal como nas liturgias

Onde a Igreja oficial condena,
pune o corpo enquanto pena e a todos enrijece,
o tambor com maestria mostra que corpo e espiritualidade
estão na realidade numa mesma sintonia

E dizem que carnaval é invenção de branco
Apois, só lá dentro do salão
Como muita pomba e ostentação
Como nos camarotes e festas fechadas de hoje em dia.

O preto fez sua festa na rua,
espaço condenado pela moralidade da burguesia,
destinados aos chamados “vadios”
que seriam esses os autônomos, ambulantes de até hoje em dia?

Que estão nos carnavais
mostrando as desigualdades raciais do nosso país,
assim como as cordas que separam o trio elétricos das multidões,
definindo desse jeito de cada lado as cores e tons.

Mesmo andando na contra mão da moralidade,
muita masculinidade se apropria do espaço de “liberdade”
para invadir o que não lhe é de direito,
um beijo forçado, mão que agarra, pau que roça...

Mesmo com toda contradição,
sendo um micro cosmos de nossa realidade
Como não amar essa festividade?
E desejar que nunca acabe

Que seja público e das ruas
E que todxs possam aproveitar curtindo, fazendo suas correrias
E se lembrando o ano inteiro que no mês de fevereiro
Nos espera com mais folia.