quarta-feira, 25 de julho de 2018

Cajuína


A gente é criada, programada
pra acreditar nas verdades
nos padrões de normatividade
de amor e de sexualidade que o patriarcado vem reproduzindo.

Um imaginário de felicidade digno de último episódio de novela das oito,
onde não há contradição,
só a ilusão
de uma família ideal burguesa

Onde os bonzinhos se dão bem
e os malvados são punidos,
as mocinhas sempre encontram seu amores perdidos,
depois de varias desavenças
ainda com aquela crença
de um amor pretendido.

Desligar só a TV parece que não resolve o problema
porque essas estruturas ainda se reproduzem em todo sistema,
nos conduzindo a um não entendimento
do próprio querer.

E eu... só queria aquela tarde de domingo
com conversas infinitas e esfumaças,
inebriadas de tanto estado de presença.
Que nada pretendia,
a não ser olhos e dentes
e línguas ardentes de palavras.

E eu, nada entendia
como era possível
uma mulher, como eu,
me preencher tanto com suas palavras
doces e amargas
todas saborosas.

Não tinha explicação de um diálogo tão espontâneo,
de tanta fluidez e conjuntividade
Foi quando desconfiei...
“Será possível
amor assim,
tão simples e desprendido?”

Eu não tava só,
ela também tava acompanhada
E na noite que com ele eu dormia,
com ela eu sonhava.
Sem entender muita coisa, eu pra mim dizia:
"Meu deus, como a vida é vasta e eu não sabia"

A língua não passou das palavras,
mas as palavras reverberaram em textos afiados
Salivados
Desafiando rimas, métricas
Ferindo as normas da língua culta.

E eu... só queria que aquela tarde de domingo não acabasse
Mas foi-se a tarde
A viagem
E tudo de volta a sua normalidade.

Só que não...
Flores foram plantadas em mim
Desde lá, de nada desconfio,
de mim mais entendo, aceito, vivo,
agradeço.

Mas confesso,
que ficou a sede
para além das
P A L A V R A S

Revertério


Quem alimentou os pássaros
reduziu os passos,
pôs-se a ponto de partida
e me deixou à toa

Pensando que tinha em mim
um mar de anestesia
e eu, na verdade, achava
que daria frutos a poesias sem medida

Mas agora me vejo na dificuldade
de dizer qualquer coisa
Queria espremer em sucos de versos
todas as sensações não ditas

Toda negligência própria
Toda falta de ouvidos aos meus sentimentos mais internos
Toda crença sádica num corpo abstrato de sentimentos incompreensíveis
Toda aceitação passiva sem me perguntar: “o que que eu tô fazendo aqui?”

Nada que tire a fome e desperte do sono vale a pena
Nada que produza desconforto e tire seu estado de presença vale a pena

A sorte que eu pensei ter-te tão tua
confundiu-se com temerosidade

Nas minhas águas de noite escura
tua maré alta devastou-se na praia
sem deixar pegadas de quem se banhava
nem castelo de uma criança qualquer

Tua maré alta me fez caminhar pela areia horas a fio
buscando mares pra me banhar
Sem saber que o que eu tinha era sede
de águas doces e tranquilas

água de beber, camarada!