quarta-feira, 22 de junho de 2011

Nem lápide!

Hoje eu vi uma ambulância passar
Tinha um corpo morto deitado na maca
Eu não o vi, disseram que tinha.
Seu nome ninguém sabia, só diziam por sinais como aquilo que se cala por se ressentir.
E por sentir? Perda? Dor? Saudade?
Nada.
O silêncio come bruto, não há o que se fazer, são as coisas, elas dizem mais.
Mas todo mundo sai ver! Corre pra ver o buraco do tiro que atravessou a testa, do facão que cortou os punhos, da faca que atravessou o pescoço. Todos expressando com as impressões a validade dos fatos pra dizer do feito.
Da pressão imprecisa da impressa, dos jornalecos da esquina, ir lá espalhar o ocorrido, do que nem se espanta mais, do normal de todo dia, de mais um dado, estatística.
Hoje à noite talvez seu corpo seja velado, familiares ao redor a se lamentar, a se perguntar dos erros, a se queixar da vida feita.
E nem durmam de tão atordoados ou de tão amedrontados.
Vão seguir pela manhã carregando um fardo pesado até a cova, onde irão depositarão além de seus filhos a esperança de que um dia as coisas não sejam tão assim.
A volta pra seu tempo, seu espaço fechado, seu risco de vida.

Atentos, pois podem ser os próximos da lista, dos que vão ser dito: “mataram mais um ali na baixada”.
Quem é? O que fazia? Quem matou?
Essas respostas todo mundo sabe, só tem medo de dizer.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Fragmento de O mundo se despedaça (Chinua Achebe, 1983, Nigéria)

(...)
Missionários branco pregando ao povo Mbanta
Depois de falar sobre a VERDADE do cristianismo, comunicando-se através de um interprete Ibo, um velho disse que tinha uma pergunta:
“- qual é esse deus de vocês? – indagou. – é a deusa da terra? O deus do céu? Amadiora, o do trovão? Qual é, afinal?
O interprete transmitiu a pergunta do homem branco que, imediatamente, deu sua resposta.
- todos os deuses que o senhor citou não são deuses, de forma alguma. São, isso sim, Falsas divindades, que lhe ordenam que matem seus semelhantes e destruam crianças inocentes. Só existe um deus verdadeiro, e Ele possui a terra, o céu, o senhor, eu e a todos nós.
- Se abandonarmos os nossos deuses e resolvermos seguir ao seu – indagou outro dos ouvintes – quem nos há de proteger contra a ira de nossos deuses abandonados e dos nossos ancestrais?
- Os deuses de vocês não existem e, portanto, não lhes podem causar nenhum mal – retrucou o homem branco. – São meros pedaços de madeira e pedra.
Quando essas declarações foram traduzidas para todos os homens de Mbanta, eles se puseram todos a rir. Esses sujeitos devem ser doidos, pensaram. Caso contrário como poderiam acreditar que Ani e Amadiora fossem inofensivos? E também o fossem Idemili e Ogwugwu? E, assim pensando, alguns homens começaram a ir-se embora." (135)
(...)
Depois de canções entoadas em que se contava parabolas da ovelha e do pastor,
"o interprete falou sobre o filho de deus, cujo nome era Jesus Cristo. Okonkwo, que ali permaneceu apenas com a esperança que acabassem por expulsar aqueles homens da aldeia ou espancá-los, disse, de repente:
- o senhor nos afirmou, com sua própria boca, que há um só deus. Agora nos fala num filho dele. Então, quer dizer que seu deus também deve ter esposa.
A multidão deu entusiásticos sinais de aprovação.
- eu não disse que Ele tem uma esposa – contrapôs o intérprete, em tom pouco convincente.
- Seus fundilhos disseram que ele tem um filho – falou novamente em tom brincalhão. – Portanto, ele deve ter uma esposa, e todos eles devem ter fundilhos.
Ignorando o piadista, o missionário continuou sua fala, referindo-se a Santíssima Trindade. Okonkwo estava plenamente convencido que o homem era doido. Deu de ombros e se afastou dali, para ir sangrar o seu vinho de palma da tarde.” (136)