quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A independência que não veio...

Publicado em 1970 “Les soleils des indépendances” (O sol das independências) do marfinense Ahmadou Kourouma, é considerado um dos romances mais importantes da literatura pós-colonial africana de língua francesa. Nascido em Boundiali (Costa do Marfim), Kourouma foi educado no Mali por um tio gineese, e como a maioria dos escritores africanos que formaram na diáspora – entre os países colonizados e as metrópoles colonizadoras - partiu para estudar Paris e depois em Lyon, retornando a Costa do Marfim em 1960, quando o país se torna independente do julgo colonial francês. Decepcionado com a nova forma de governo – partido único – instaurado em seu país, Ahmadou Kourouma vem denunciar em O sol das Independências (1970) os abusos e mazelas que afetaram seu povo - Malinké - com o processo de independência e a reestruturação do poder.
O romance é pairado por um constante clima de tensão e pessimismo, onde o personagem principal Fama, o qual nasceu no ouro e para deitar entre cem esposas, é reduzido a uma figura estéril e sustentado por Salimata, sua única esposa. O drama se acentua ainda mais na figura de Salimata, no sofrimento por não conseguir ter um filho, acrescentado as constantes lembranças de quando fora estuprada na ferida de sua excisão na adolescência, e aos trágicos acontecimentos cotidianos que permeiam sua vida e a do seu marido.
O desenvolvimento da história de Fama se dá a partir da viagem para o enterro de seu primo - Lacina, chefe na aldeia de Togobala, fundado pela tribo Doumbouya - , da qual Fama era o único descendente da dinastia, restando-lhe o legado do poder, segundo o qual não seria outra coisa senão “fome e uma moringa de preocupações”. Sua viagem segue cheia de preocupações e angústias até chegar em Togobala, onde já não reconhece o lugar de sua infância, mas sim uma comunidade em ruínas. As independências haviam suprimido a chefatura e destronado o primo de Fama, constituído na aldeia um comitê com um presidente. Assim destituído de qualquer forma de poder, restaria a Fama apenas Mariam, esposa mais nova do primo Lacina, a qual levaria para casa consigo.
Ao mesmo tempo em que as tradições são colocadas, a validade das mesas é questionada, assim como o constante trânsito entre as religiões de origem ancestral com as práticas islâmicas, de um modo que como coloca o autor “todo mundo se diz e respira mulçumano, sozinho cada um teme o feitiço.”
É importante perceber o constante trânsito entre as culturas e a preservação de algumas tradições ancestrais dos povos Malikés, como na narrativa do enterro do primo Lacina, no qual é festejado o funeral do quadragésimo dia de sua morte, acreditando-se assim, que quarenta dias depois do sepultamento os mortos recebem aquele que chega; sendo necessário o derramamento de sangue através de sacrifícios, para sejam bem recebidos pelos seus ancestrais.
Logo que volta a capital com sua nova esposa, se envolve em algumas reuniões conspiratórias e é convidado para depor em um inquérito sobre um complô para assassinar o presidente e derrubar a república do Costa dos Ébanos, no qual ao contar um sonho metafórico que tivera em relação ao crime é condenado a 20 anos de reclusão criminal. Vinte anos de reclusão para Fama equivalia a uma condenação a prisão perpétua. Apesar de não ser obrigado a tarefas mais árduas, seu estado de saúde se deteriorava a cada dia, definhava visivelmente. Mas um sopro não se cala nos ouvidos, dentro da inconformidade de sua situação, ele, o verdadeiro Doumboya autêntico, o príncipe de todo Horodougou, o único, o grande, o maior de todos.
O novo presidente instituído anuncia a libertação dos detentos por crimes políticos, propõe a reconciliação com a república e restituição dos bens dos condenados. Ávido, Fama volta à capital para ver o que restou de sua vida; ambas as esposas já haviam encontrados substitutos assim que souberam de sua prisão; atônito, procura se encontrar, encontrar seu destino, sentira que o casamento com Mariam havia sido um erro; sentia muita dor e arrependimento por ter trazido tanto sofrimento a Salimata. Então Fama volta a Horodougou, segundo o qual “é um bom lugar pra viver e morrer”. Acho chegar em sua cidade se depara com guarda-fronteira que impossibilita sua entrada. A cólera toma conta de Fama, o qual não consegue conceber como ele o príncipe dos Doumboya poderia ser negado de entrar em seu território, tomado por um senso de legitimidade desobedece as ordens impostas aos gritos de quem busca seu retorno, atravessa as fronteiras do permitido. Entre a tensão anunciada dos que o consideram louco e os que cegamente obedecem uma ordem de atirar em qualquer um que desafiasse atravessar a fronteira sem permissão, Fama , o último Doumbouya foi assassinado, e então, finalmente poderia voltar para sua terra, onde seria enterrado, e segundo a tradição dos Malinkés, até que viesse o quadragésimo dia, onde seria recebido pelos seus antepassados, mas até que esse dia viesse não haveria quem jorrasse sangue o suficiente par que esse encontro acontecesse.