sexta-feira, 25 de junho de 2010

Memorial do subterrâneo- morte de Deus e ascensão da vida

A igreja me servia como um parque de diversão, corria as galerias, descia as escadas, brincava de pique-esconde. Ouvia o sermão como quem ouve o ronco de um motor, não entendia muita coisa que o pastor dizia. Adorava minhas amigas, fazíamos coreografias, jograis. Todas nós sabíamos que estávamos fazendo por louvor a nós mesmas, mas achávamos melhor pensar que era em louvor a Deus. Mas Deus se escondia, eu procurava seu esconderijo encarecidamente em todos os cantos da igreja, da casa, mas me perdia no caminho. Tolos, todos, fazendo cena, representando no grande palco que nos encontrávamos inseridos, o caos da doutrina reinava em absoluto. Os muros daquele labirinto não me trouxera somente alegria e diversão aos meus tempos de menina, também trouxera terror, angustia e muito medo. Tinha medo do meu nome não está escrito no livro da vida; tinha medo de dormir e Jesus voltar levar a todos e me deixar; medo de estar pecando sem saber, pecando em pensamentos. Me sentia frustrada quando fechava os olhos e não via Deus; quando lhe pedia um sinal de sua existência; quando pedia um brinquedo; um emprego pra o meu pai; a unção do Espírito Santo; o que sentia era o peso dos meus olhos apertados pela corrente de lágrimas contidas e voluntariamente estimuladas. Aos meus 13 anos, além dos hormônios da puberdade, vieram também as inquietações e conflitos. Queria cortar o cabelo, pinta-lo de vermelho, externalizar meus anseios de mudança. Meu pai já não estava mais em casa, não tinha nada que me impedisse. Cortei o cabelo, pintei-o de vermelho, vesti preto e passei meu último reveillon na igreja. O mundo se abriu a minha frente, como se estendesse um tapete vermelho e eu agora fosse a protagonista da minha própria história. Com a mudança do cabelo veio a mudanças da cabeça. Foi a música, foram os livros, foi a noite que me mostrou a beleza do mundo lá fora e aqui dentro de mim. A desistência de Deus só veio tempos depois, com muita relutância, muita dor, muita insustentabilidade. As orações cessaram e Deus parou de existir. A morte de Deus veio com muita luz, arte e humanidade.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Vamos invadir o paraíso!!



“Mais salário e menos trabalho” é o grito que ecoa dos estudantes que estão do lado de fora das grades que cercam a fabrica; de dentro os operários que se encontram trabalhando mecanicamente são obrigados a cumprirem uma cota de produção prevista pela indústria.Os de fora chamam pela revolução; os de dentro tentam uma conciliação entre patrões e empregados. Esse é o paradigma que compõe A Classe Operária Vai ao Paraíso (La Classe Operaia Va in Paradiso, Elio Petri, 1971), cinema político italiano, ganhador da Palma de Ouro do Cannes em 1972.
Entre aqueles que estão preocupados com a “revolução” e os que pensam na sua sobrevivência cabe uma intercessão, como mediar as lutas entre oprimidos contra os opressores? O personagem principal Lulu Massa (Gian Maria Volonté), é um dos operários, talvez o mais reacionário de todos, que apesar de sua condição sofrida de trabalhador (teve intoxicação, úlcera e em casa não consegue mais fazer sexo com a mulher de tão cansado que chega do trabalho), é o que mais reproduz ideias burgueses de valorização do trabalho. Os mesmo ideais são vistos em sua mulher Angelli, que diz em uma fala emocionadíssima gostar da “liberdade” de poder comprar e que um dia terá um casaco de pele, porque trabalha e merece. Esse desejo é expresso como se fosse algo essencial para a sua sobrevivência, como se fosse o alcance do sublime, da felicidade; o fetiche da mercadoria é confundido com o ideal de liberdade, onde essa se condensa no poder de compra, e o mais ridículo é que esse poder é quase inoperante para essa classe operária.

Lulu perde o dedo em um acidente na fábrica. Esse acontecimento faz com que ele comece a tomar consciência das formas de opressão que lhes são impostas, principalmente quando lhe é questionado pelos estudantes sobre a condição de vida que levava. Em uma assembléia com os operários onde a maioria se sente intimidado, com medo de perdem seus empregos, votam contra a greve generalizada e contra o fim das cotas. Lulu é tomado pelo espírito de revolta por conta da decisão tomada pelos colegas e lança ironicamente a proposta de que se dobre a cota, e que todos trabalhem aos domingos e feriados, todas as noites, e levem seus filhos para ajudar no trabalho e suas mulheres para fazerem sanduíches, trabalhando sem parar, até morrer.
Lulu é demitido depois de se envolver com os estudantes em conflitos contra a polícia. Sem emprego, começa a perceber que seus ideais de sobrevivência divergem daqueles que estão propondo uma “ditadura do proletariado”, as necessidades imediatas falam mais alto do que a espera de uma revolução que vai acontecer a qualquer momento.

O personagem mais fantástico, ironicamente é o louco da história, Militina é um ex-operário e amigo Lulu, cujo trabalho fordista da industria que trabalhava o levara a loucura. Em uma conversa com o amigo, Militina se expressa de forma magnífica, apontando para os loucos do manicômio e dizendo que todos eram trabalhadores, que foi sistema que os levou a loucura, e fala quase em segredo “Lulu, é o dinheiro, todos fazemos parte do mesmo jogo, patrões e escravos do jogo do dinheiro. Nós enlouquecemos porque temos pouco e eles porque tem demais. E assim é esse inferno”.
Entre o risco da loucura por trabalhar demais e o de ficar louco por não ter como se sustentar, Massa (Lulu) opta pela sobrevivência. Consegue ser readmitido. Volta ao trabalho, ao mesmo mecanicismo, a ser o operário mais ágil e exemplar.
Não vejo pessimismo nenhum nisso, vejo apenas uma perspectiva lógica, de que infelizmente nem tudo é tão fácil de ser encarado; os idéias existem, mas precisam de uma sustentação material para aderirem aqueles que precisam comer primeiro para depois "pensar".
Apesar da volta ao cotidiano, da não revolução, do trabalho mecânico (que a câmera captou perfeitamente) existe uma utopia, Massa conta de um sonho que tivera aos colegas, que entre o barulho das maquinas é repetido aos gritos de um operário ao outro; Lulu conta que havia sonhado com um muro, que havia morrido e encontrara com Militina que lhe dissera: “vamos quebrar tudo e vamos entrar, quebramos tudo e entramos no paraíso, todos contra o muro” e o muro caiu, e estavam todos lá, todos os operários juntos.

sábado, 19 de junho de 2010

Teatro das representações alheias

Preenchendo os vazios com os espaços
A solidão pela solitude
Os dias com as noites
(O sono reina em absoluto)
O quarto cheio de imagens, mas nada figura o bastante
As palavras são ocas
Poucas
Limitadas
Só nos diz o mínimo do imediato. O resto fica.
“Caracóis! Caracóis!”, não consigo parar de chorar pensando em Remédios. Queria poder Ser, sentir, a ponto de esmagar caracóis com os dentes. Tenho muito medo do que me surpreende possa não existir ao não ser na ficção. Tenho medo do real, do não sentir, do frio.
Há muitos quartos vagos, muitas salas vazias
Deus é muito pouco. É representação besta, despeitada.
Não tenho fome. Tenho cansaço... Expectativa.....................
Queria fazer parte do imaginário de um escritor alegórico

Óbito

As pessoas fogem...
Correm...
Escondem-se...
Para evitar o risco de se sentirem vivas