É
quando a gente se muda
que
vira e mexe as coisas
que
a gente vê quanto se guarda
e
o quanto custa carregá-las
Eu
sempre com mainha brigava
ao
arrumar suas coisas,
o
tanto de coisa
que
mainha guardava
Era
roupa sem uso,
sapato
sem dono,
elástico
folozado,
tiras
e mais tiras de pano,
contas
de mil novecentos e me esqueci,
receitas
médicas vencidas,
caixas
de remédio pra não se esquecer do nome
santinhos
de vereador
papel
de pão embolado
e
talvez, no meio, alguma arte minha
que
nem me lembrava
A
briga era para saber o que jogar fora
Porque
ai...
“Uma
hora precisa”,
“Quem
guarda tem”
Do
que eu separava,
metade
ela guardava
alegando
a serventia
Com
o tempo e a idade
foi
se desapegando,
vendo
que não daria conta
de
tanta lataria
Eu
me pego arrumando a casa,
mais
uma mudança
O
peso maior do que nunca
e
me questiono o que tanto custo a carregar
Fora
as plantas, instrumentos e móveis necessários,
O
que mais carrego?
As
milhões de quinquilharias achadas no lixo
que
“uma hora serve” para um vaso de planta,
um
artesanato, um sei lá o quê....
“Mas
não se deixa uma coisa dessas no lixo”.
Fora,
o que nem tanto pesa,
mas
é uma memória material,
é
um cartaz de uma mostra cinematográfica,
um
crachá de evento,
um
canhoto de um ingresso de tal artista
que
olhando assim bem de perto,
passado
os anos, nem sei porque quero e guardo
sem
muito uso, me desapego
vejo
mainha em mim
e
vejo o quanto a gente guarda
E
o quanto a gente guarda que não é material?
O
quanto tá guardado em memória?
De
sentimentos presos, inúteis, que só nos deixam pesados
e
dificultam nossas mudanças
Guardamos
os medos de quando criança
A
raiva dos desejos repreendidos na adolescência
As
diversas frustações de adultos
Os
tapas da vida
Os
rumos incertos
A
ânsia da morte
Eu
quero arrumar minha casa
e
dar utilidade as coisas.
Guardar
o que for bom
e
me desfazer daquilo que hoje não faz nenhum sentido
Ver
que o perdão (não a tolice)
A
aceitação (não a passividade)
O
desapego (não o abandono)
Tem
real sentido na faxina interna
Pra
caminharmos mais leves,
Mesmo
sabendo que adiante
Trombaremos
no caminho com mais coisas
Que
talvez ache interessante levar pra casa
Que
Talvez faça algum uso
Ou
talvez descanse um pouco
E
daqui a um tempo
Volte
a sua própria circularidade.