sábado, 14 de novembro de 2020

Outros tempos vindouros


Batente de porta

Final de tarde

Começo de vento

Ponta de lua


Nem precisa de conversa 




(Tudo é sobre o que tá dentro)



Quiria o mar,

Mas me contentei com a bacia

aos pés com água salgada

Quiria uma floresta,

mas o quintal de mainha é minha própria mata

Quiria um bando de coisas...

Mas o que tenho agora é tudo que preciso

Visto isso,

nada me falta

Re(ato)




 Hoje eu me estranhei

E nesse vago reconhecimento

Fiz espelhos em caminhos

Na ida só vi concreto

Na volta colhi flores

E me reconheci

Ouvidos


O amor pôs-se assim:

Num lampejo de silêncio

Numa ausência de palavras que busca as exatas condoscências 

Mas percebeu-se que a ausência acolhe, recolhe

conforta

A escuta diz mais que os manuais e experiências

domingo, 8 de novembro de 2020

quarta-feira, 5 de agosto de 2020


Ela descalçava os pés como um passarinho que se banha ao beber água.
Pisava o chão como quem queria capturar
Para além da imagem
O sentido
Porque pés calçados não sentem
E pra passarinho beber água é pouco, quando ele pode se banhar por inteiro.
E eu tão só vendo o deslizar
de calçado na calçada
Passaria a tarde toda
Vendo nela passarinho
E meu amor a passarada.

Fotografia do vídeo poema Derramamento/cura de Victória Nasck

sábado, 1 de agosto de 2020

Toda Noite

Toda noite
Antes que se apague
Eu me afago
Afundo os travesseiros
Inspiro teu cheiro
Suspiro fundo
E sussurro tudo aquilo que queria te dizer
Toda noite

Madura

Tal fruta
Doce
No tempo certo
De(vez) me arrancou
Cedi sem queda
à mão leve

Suco
Lento
Sabor

Derrama em mim
Tua saliva
Lábios macios
E língua ardente

Me devora
Sem pressa
Pra que dentro de ti
Eu possa fazer morada

Sem tamanho

Enquanto eu alvoroço
A menina cresce
Quanto menos peso de mim
envelheço
Mais a criança tece

Alargando
Desmedida e
fora do alcance

Atravessamentos

Me aquece
Desfrutar de cada ser
que me despe da pressa
Me toca aos sentidos
E me inunda com a presença

Pois prazer
está para além
de um ato
e um fim

É um estado
Sem desperdício
Constantemente fluido

Desterrotorializado

Estado de espírito
Espelhado
Me vejo mais
Dentro
Esvai fora
Reflete
Irradia
Volta
Retroalimenta
Gira
Em ciranda,
Feito criança
Não para de crescer

quarta-feira, 22 de julho de 2020

O quarar da quarentena

O tempos desandou

Se arrastou ao chão
Chorou
E voltou a ser fecundo

No fundo dos olhos
Espelho
Reflexo do outro
Similar trajeto

Em contato
O afago torna-se
hábito de dizer
Afetos

O éthos se refez
No vir a ser
Reciclado de matéria
"Dignidade humana"

Que emana
Sem pressa
Pulsando
Presença

Dessa sentença
Que a vida
Insiste
Em resistir

domingo, 10 de maio de 2020

Afeto


Teus olhos me acobertam
Por inteiro
Quando não te vejo
Estás a me olhar

Teu zelo rege o ato
Do subterrâneo
Tá no minucioso cotidiano
Que não chega a tocar

O afago ficou em algum lugar da memória
Que não tinha idade
Pra fazer registro
Mas o tempo não se dava disso

Corria tão bruto
entre as águas e o fogo
pairava em poeira
mas nunca parava

Descabia também
o afeto das palavras
ouvia-se pouco
pouco se falava

Mas sobre a presença?
É, e sempre foi
Intangível à palavra
Indizível e transluzente.

Presença


O que tenho pra reclamar
dessa manhã que entra pela janela traçando luz e sombra
das árvores vizinhas?

As galhas dançam
ao sopro dos ventos
Embaladas, ao mesmo tempo
pelos pássaros a cantar

Eu sentada em um chão
tão fresco
e as mãos tão quentes de um copo de café

Que assopro feito vento
O vapor que encobre minha face
O cheiro me invade antes do sabor

Demandei tempo pra entender que o sabor da vida tá na presença de saboreá-la
C-O-N-S-T-A-N-T-E-M-E-N-T-E

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Memórias das águas (VI)

Escuta
Não de fora,
mas de dentro
o que ressoa?

Me desprendi
lancei-me em águas desconhecidas
a deriva dos meus quereres
naufraguei

Foi o mar que me quarou
abrandou meu coração
E o silêncio veio
para que eu pudesse ouvir

(Prainha, Itacaré, 2015)

Memória das águas (V)

a gente era feito criança
esbanjava tudo aquilo
que não pode ver d'água
do lamaceio que nos enlodou

E a sujeira demorou noite
pra ser lavada
Elucidou tempestade
mas desnudou em manhã de céu aberto

O caminho era de flores
as águas azuis esverdeadas,
ou verde azuladas,
mornas, mansas, macias

Tava tudo em paz
como sempre
A gente é que tava distraída
pra não perceber

Aos sons do mar
dançamos
rimos
esvaímos em bem querer

Irmãs água
aninhadas e nuas
alinhadas as luas
Emaranhadas


 (Litoral de Moreré, Janeiro de 2015. )

Memórias das águas (IV)


                                                                                    (Para Uaxeda)

Tanto mar
mas os olhos sequer veem
tempo controverso
roubado ao revés

Tempo inventado
simulacro contido
em frações derretido 
ao chão em um abraço

Éramos eus
nós, tão uma só
maré tão embalada
que se perdia de vista

Acalanto
Era um sonho lúcido
um sonho líquido

Eram as águas
enredo de nossas cabeças
mães, filhas e irmãs

Ventre, útero
interior, anterior
antes do mar

(Praia de Pratigi, Ituberá- BA, dezembro de 2015)

sábado, 4 de abril de 2020

Memória das águas (III)


Mar
Noite
Lua cheia
Maré alta

Eu ali de frente
Com tanto gosto via,
ouvia, cheirava
espelho d’agua que  o céu refletia

Meu medo-desejo-respeito
Falava
Licença eu pedia a mãe d’água
E a vida eu agradecia

(Praia Ponta da Tulha, Ilhéus, fevereiro, 2014)

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Memória das águas (II)

O mar é vasto e convidativo
Ele brinca com o corpo
Ele acaricia o corpo
Ele desafia o corpo também

Eu brincava corpo-mar-onda
O balanço que leva e traz
Tão bom balanço
Mas me levou demais

Veio cintura, pescoço
e não tinha mais chão
Pedia socorro
Amigos me viam em vão

Tempo curto
Tempo vasto
Tantos pensamentos
Mas o mar não me levaria

Pensei eu...
Vida tão curta, tão besta,
eu tão menina
Será mais...

Aos fluxos
Das pedras
Um homem
Meu corpo leve flutuou

Me sequei ao sol
Mas veio outras águas
dos olhos
Salgadas

Andei só na madrugada
Vi o dia nascer
Tomei tento das águas de dentro
e das águas de fora

Dentro de mim um mergulho
Lá fora o medo do mar
Dentro de mim o medo do amor me afundar

🌊🌊🌊 (Memória das águas, Diogo, Litoral Norte, 2011)

Memória das águas (I)


Primeira vez que vi o mar
Aguei
Andei adiante
Cobri os pés
Areei
Fui mais um tanto
Acinturei
Veio a onda e me derrubou
Salguei
Saí com medo, gosto e prumo do mar.
(praia de Buraquinho, Salvador, memória de janeiro de 2002)

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Visita


Luz de tarde cintilante
Ouço meu nome
E me corro a porta
Buscando desvendar o som

- é tu cumadre?! Mas que milagre é esse?
Ela silenciosa me abraça
E depois de alguns minutos me diz
- saudade

Eu, depois de um tempo
Sentindo seu coração vasto dentro do meu
Digo
- também

Esse sem tempo feito
Se desfez ao fim do abraço
E logo chamei pra dentro
- quer água?

As aguas de beber
As de lavar
De tantas aguas passadas
Levamos a sede

E a fala diz
das alegrias, diz pouco silêncio
(como que com medo de perder o momento das palavras)
Diz histórias por inteiro
Outras pela metade
Outras nem sei porque
Só são ditas
E perdidas entre tantas outras contações

E diz mais
- você some
Ela diz mais
- você também

Eu aceito de bom grado
Prefiro deixar ela acreditar que sim
Porque sua presença me faz sentir
Que todo outro tempo é outro

Ela desliza em conversa
E eu escorrego até que caio no povir
Do boa noite que estendeu-se ao lá vai

E lá vai ela
Quando vou vê-la
Sabe-se lá
Maria vem e vai

Vai e se estende
Se tece, se encasula
Mata, morre, renasce
E as vezes pousa voo aqui

Dos lapsos de tempo
Nascem as narrativas sobre amor e saudade
Que são da memória do que nem foi
Tão pouco é
Por isso é tanto

Avesso



No que me apego me apego
No esfomeado laço
que já deu um nó

ao passo que me disperso
em perdidos versos me acho
faço do difícil fácil
e me refaço só